Houve um tempo em que os brasileiros que amavam o futebol esperavam ansiosos a lista de convocados para ver que craques de seus times, no meu caso o Flamengo, estariam na seleção brasileira. Hoje, nossos craques jogam na Europa. As listas de convocados são cada vez mais previsíveis. Quem tem coragem de deixar de fora os craques do futebol mundial?
O futebol globalizou no embalo da globalização do sistema financeiro e da economia mundial. A Copa do Mundo é, quase, uma Champions League com camisas dos países da Fifa. A Europa, com uma economia forte, madura e arrumada, absorveu o esporte no seu mercado e criou times-empresas muito poderosos, com enorme força de atração. A Champions League é, hoje, muito mais eletrizante do que os campeonatos locais. Exceto os europeus, claro. A audiência brasileira desses jogos deve estar a rivalizar com a do Brasileirão. Hoje, entra-se em um táxi e se pode conversar sobre jogos europeus com o mesmo entusiasmo que se discutia um Fla-Flu dos bons tempos. Fla-Flu virou sinônimo de polarização, com haters trocando golpes digitais de brutal difamação de um lado para outro. Pois já foi rivalidade boa, bola no pé, que enchia o Maracanã.
Por que Europa? Os Estados Unidos nunca abraçaram o futebol. Para eles, football, é aquele confronto entre brutamontes no qual um craque veloz e astucioso corre com uma bola oval nas mãos e é ovacionado quando consegue escapar ao ataque dos armários que o perseguem. A bola raramente é chutada. Para mim, isso não é futebol, é handebol de contato. Sem demérito. O futebol nasceu europeu, justiça seja feita. Foi adotado, com maestria, pela América do Sul. O continente virou celeiro de talentos. O Brasil brilhou. Pentacampeão. O único até agora. Mas, nosso futebol local foi ficando medíocre, como o Argentino, o Uruguaio, os da América Central. Nossos craques migraram. Os estádios têm lotação pífia na maior parte dos jogos. Os clubes não modernizaram sua gestão e, como os partidos políticos, se oligarquizaram e corromperam. Sobraram as torcidas fiéis, quase sempre tristes, do Flamengo, Corinthians, Grêmio, Atlético Mineiro. Mas a audiência da Champions League bomba nos canais brasileiros e do mundo todo.
O futebol floresceu na África. Craques africanos brilharam. Talvez inspirados na trajetória do afrodescendente brasileiro, cujo nome ainda hoje é globalmente reconhecido, Pelé. Mas o campeonato africano é como o nosso, em franco processo de mediocridade. Enquanto isso, a Europa profissionalizou seu futebol. Encheu os estádios. Comprou os melhores jogadores do mundo. Transformou os times em máquinas precisas de faturamento e de desempenho excelente em campo. O Manchester United é a maior máquina econômica do futebol global, com um valor de mercado estimado em em US$ 3.7 bilhões e uma receita anual de U$765 milhões. As vendas totais do clube, em 2017, chegaram a U$1.6 bilhão. E, como o mercado financeiro gosta, sua dívida corresponde a 24% do seu valor. Tudo bem, a receita líquida anda crescendo em torno de 10% ao ano. O estádio do time, o Old Trafford Stadium, tem 75,643 lugares e os ingressos para a temporada futebolística do ano passado custaram entre U$ 703 e U$ 1,255. Belo negócio. Um ótimo cliente, bom pagador, para os investment bankers, que vão aos estádios se divertir e fazer contas ao mesmo tempo. Na lista dos dez maiores times em poder econômico estão as verdadeiras forças por trás do futebol mundial e da Copa. Pela ordem de valor de mercado são Manchester United, Real Madrid, Barcelona, Bayern Munich, Paris Saint-Germain, Arsenal, Chelsea, Liverpool, Juventus, Totenham Hotspur. Juntos representam um valor de mercado de perto de U$ 20 bilhões. Essa lista explica o retorno da Inglaterra com força nesta Copa. Das 10 maiores potências econômicas do futebol, metade é dela.
Havia quatro jogadores do Manchester United na seleção da Inglaterra, Jones, Young, Rashford e Lingard. Mas, somente nas semifinais, eram sete os jogadores do Manchester United nos campos. Se minha conta não está desatualizada, eram onze na Copa.
O fatídico jogo entre Brasil e Bélgica era praticamente um duelo de combinados dos grandes times europeus. No Brasil, estavam Gabriel Jesus, Fernandinho, Danilo e Ederson do Manchester City; Neymar, Marquinhos e Thiago Silva, do PSG; Marcelo e Casemiro, do Real Madrid; Roberto Firmino, do Liverpool; Philippe Coutinho e Paulinho, do Barcelona; Filipe Luís, do Atlético de Madrid; Miranda, do Internazionale; Allison, do Roma; Willian, do Chelsea; Douglas Costa, do Juventus. Do outro lado, Fellaini e Kompany, do Manchester United; de Bruyne, do Manchester City; Courtois e Hazzard, do Chelsea; Alderweild, do Tottenham; Veermalen, do Barcelona; e Mertens do Napoli.
Um dos resultados dessa globalização do futebol-empresa é a padronização do estilo de jogar e a maior competitividade dos times, inclusive os medianos. Foi o que vimos nesta Copa. Fora uma ou outra exceção, não teve jogo fácil. O espaço para o talento individual é demarcado e cada lance vale milhões. É o espaço das celebridades, CR7, Messi, Neymar. Mas tem um preço alto, treina-se como imobilizá-los, marcando na bola, ou derrubando. Neymar, mais malandro, muitas vezes cai antes de ser derrubado. Não culpo. É uma forma de sobreviver em campo.
Há uma vantagem. O futebol globalizou com a migração dos craques e essa migração global miscigenou os times. É raro ver um time europeu puramente ariano. Junto com os lourinhos, ruivos e morenos de pele branquinha, encontra-se quase sempre, jogadores com DNA afro marcado e, mais recentemente, asiáticos. Isto é bom. Celebridades que se fazem na Europa e elevam a autoestima dos seus iguais mundo afora. E mais, muitos desses imigrantes em campo, iguaizinhos aos imigrantes que a extrema direita repele e agride, são os melhores, heróis do esporte global, celebridades. Eles podem muito e deveriam usar esse poder para derrubar os muros que andam querendo construir para barrar seus irmãos.